sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Há somente Vida

Você tem de “ver” a vida. Você não deveria dizer ‘vida da folha’, mas sim falar apenas da vida na folha e vida na árvore.

Minha vida é somente Vida, e você pode vê-la em mim e na árvore.


Thich Nhat Hanh
(em "O Coração da Compreensão)

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Em harmonia com o Universo



Esse ser humano chamado “eu” não vive somente dentro desse saco de pele e ossos. Independentemente do seu nível de percepção e consciência, o ser humano vive dentro de um continuum do Universo, que está em permanente movimento.  Isso não vale somente para nós, mas para tudo o que existe no Universo. O eu mesquinho surge quando acreditamos que somos apenas esse tecido vivo dentro de um saco de pele e tentamos agir em função disso, desvinculados do Universo.

Mas, na realidade, mesmo um pequeno mal-estar que passe a ser motivo de reclamações contumazes faz parte de uma pulsação que preenche todo o Universo, assim como o clima do dia faz parte do clima da região e a maré é a consequência das forças gravitacionais dos astros celestiais. Chamamos de nosso verdadeiro eu aquele que harmoniza a si mesmo com as vibrações do Universo, rompendo as cascas do ego, sempre vigiando e cuidado do “eu” menor e egocêntrico a partir de um ponto de vista mais elevado, amplo e universal. E é nesse “nosso verdadeiro eu” que Buda nos ensina a depositar nossa fé e confiança – ele é nossa ilha de refúgio.

Shundo Aoyama Roshi
(em “A Coisa Mais Preciosa da Vida”)


quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O que a mente está fazendo agora?



Nunca devo deixar, nem por um instante,
O meu dever de concentração plena,
Eu devo verificar, um a um, cada instante da mente,
Para ver - O que a mente está fazendo agora?


Shantideva

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Renunciar ao sofrimento

Vejo que o samsara é sofrimento, mas ainda assim o desejo.
Temo o abismo dos reinos inferiores, mas continuo agindo incorretamente.
Abençoe a mim e àqueles que se desencaminharam como eu
para que possamos renunciar sinceramente às coisas desta vida.

Patrul Rinpoche
(em “As Palavras do Meu Professor Perfeito")

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O despertar da bodhichitta

O pai de uma criança de dois anos conta que ligou a televisão e, inesperadamente, viu a destruição causada por uma bomba colocada em um edifício público de Oklahoma. Assistiu, enquanto os bombeiros carregavam corpos inertes e ensangüentados de bebês que eram retirados das ruínas da creche que funcionava no primeiro andar. Diz que, no passado, era capaz de se distanciar do sofrimento alheio. Mas, desde que se tornara pai, isso havia mudado. Sentia como se cada uma daquelas crianças fosse seu filho. Sentia a dor de todos os pais como sendo sua.

Essa identificação com o sofrimento dos outros, a incapacidade de continuar a observá-lo de longe, é a descoberta de nossa ternura, a descoberta do bodhichitta. Essa é uma palavra sânscrita que significa "coração nobre ou desperto". Diz-se que está presente em todos os seres. Assim como a manteiga é parte do leite e o óleo, da semente de gergelim, essa ternura é inerente a mim e a você.

Stephen Levine escreve sobre uma mulher que estava morrendo, em terrível sofrimento e extrema amargura. No momento em que sentiu que não podia mais suportar a dor e o ressentimento, inesperadamente, passou a experimentar o pesar de outros em agonia: uma mãe faminta na Etiópia, um adolescente desvairado morrendo de overdose em um apartamento imundo, um homem esmagado por um deslizamento de terra, morrendo sozinho à margem de um rio. Ela relatou ter compreendido que essa não era a sua dor, mas a de todos os seres. Não era apenas a sua própria vida, mas a vida em si mesma.

Despertamos o bodhichitta, essa ternura pela vida quando não podemos mais nos proteger da vulnerabilidade de nossa condição, da fragilidade fundamental da existência. Nas palavras do décimo sexto Gyalwa Karmapa: "Recebemos tudo. Deixamos que a dor do mundo toque nosso coração e a transformamos em compaixão".

Diz-se que, em tempos difíceis, somente o bodhichitta pode curar. Quando não encontramos inspiração, quando nos sentimos prestes a desistir, esse é o momento em que a cura pode ser encontrada na ternura da própria dor. Esse é o momento de tocar o autêntico coração do bodhichitta. No meio da solidão, do medo, do sentir-se incompreendido e rejeitado, encontra-se a pulsação de todas as coisas, o autêntico coração de tristeza.

Pema Chodron
(em”Quando Tudo se Desfaz”)

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Renúncia

Em vez de deixar a negatividade tirar o melhor de nós, podemos reconhecer que agora mesmo nos sentimos mal. Essa é uma coisa compassiva a se fazer. Essa é a atitude corajosa a tomar. Podemos cheirar o mal que nos sentimos, podemos sentir! Qual é a textura, a cor e a forma? Podemos explorar a natureza do sentimento. Podemos conhecer a natureza do desgosto, vergonha, e não acreditar que há algo errado nisso. Podemos abandonar a esperança fundamental de que existe um eu melhor, que um dia vai emergir. Nós não podemos simplesmente pular por cima de nós mesmos, como se não estivéssemos lá. É melhor dar uma olhada direta em nossas esperanças e medos. Então, uma espécie de confiança, nossa sanidade básica, surge.

É aí que entra a renúncia. Renúncia da esperança de que nossas experiências podem ser diferentes. Renúncia da esperança de que nós podemos ser melhores. As regras monásticas budistas que recomendam renunciar ao álcool, renunciar ao sexo e assim por diante, não estão indicando que essas coisas são inerentemente más ou imorais. Mas que nós as usamos como baby-sitters. Nós as usamos como um caminho para escapar. Nós as usamos para tentar obter conforto e para nos distrair.

Na verdade, o que renunciamos é à esperança tenaz de que podemos ser salvos de quem somos. Renúncia é um ensinamento que nos inspira a investigar o que está acontecendo cada vez que nos agarramos a alguma coisa porque nós não conseguimos aguentar e encarar o que está por vir.


Se a esperança e o medo são dois lados da mesma moeda, então a desesperança e a coragem também são. Se desejarmos abandonar a esperança para que a insegurança e a dor sejam exterminadas, então podemos conseguir a coragem para relaxar na falta de chão firme de nossa situação. Esse é o primeiro passo no Caminho.

Pema Chodron
(em "Quando Tudo se Desfaz")

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Se quiser praticar o Dharma genuinamente

Se quiser praticar o Dharma genuinamente, faça o que for virtuoso, mesmo a menor das ações. Renuncie ao que for maléfico, mesmo a menor das ações. O maior dos oceanos é formado por gotas d’água; até mesmo o Monte Sumeru e os quatro continentes são formados por átomos minúsculos.

Padamasambhava
(em “Ensinamentos do Mestre Que Nasceu do Lótus”)

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Olhos para ver o que não pode ser visto



Quando vejo a neve, eu me lembro de um poema. Ele se chama “Neve que cai”, de Misuzu Kaneko, uma jovem que partiu deste mundo com 26 anos.

A neve do alto
Que frio que ela deve sentir!
Pois o luar cai gélido sobre ela

A neve de baixo
Que peso que ela deve sentir!
Pois centenas de pessoas pisam nela

A neve do meio
Que solidão que ela deve sentir!
Pois não consegue ver nem o céu nem o chão

Como uma pessoa consegue ter uma sensibilidade tão grande para descrever os sentimentos da neve? (...) Misuzu aniquilou totalmente o seu ego, tornando-se uma com a neve e sentindo com ela o frio, suportando com ela o peso das pessoas e chorando com ela por causa da solidão

Existe outro poema de Misuzu Kaneko chamado “Pesca Farta”.

É alvorada, o sol está raiando
E a pesca é farta
Muitas sardinhas grandes
Caindo na rede

A praia toda
Está em festa
Mas nas águas do mar
São rezadas missas pelos espíritos
Das milhares de sardinhas pescadas pelos humanos

É possível até visualizar Misuzu chorando ao ouvir o pranto das sardinhas, enquanto observa as pessoas explodindo de alegria pela pesca farta.

Misuzu Kaneko faleceu muito jovem, com 26 anos.

Acredito que ela tinha olhos para ver o que não pode ser visto e ouvidos para ouvir que não pode ser ouvido.

Shundo Aoyama Roshi
(em “A Coisa Mais Preciosa da Vida”)


terça-feira, 21 de outubro de 2014

Sempre está tudo bem


A felicidade que depende daquilo que se possui, ou daquilo que se quer atingir, é apenas uma felicidade condicional, parcial, não a verdadeira felicidade.

Sempre está tudo bem, não importa o que aconteça. Se adoecer, seja apenas um doente. Se ficar pobre, seja apenas pobre. A não ser que aceite as circunstâncias presentes, a felicidade nunca poderá ser alcançada. Na verdade, o paraíso está nas mãos de todos os seres; é a felicidade de se viver plenamente tudo aquilo que a vida nos traz. Já que não podemos evitar os problemas, o melhor é encarar qualquer situação de braços abertos, com gratidão, percebendo que a doença ou a pobreza também nos ajudam a encontrar uma postura correta perante a vida.

Isso é muito importante. Se alcançar essa atitude, em qualquer hora, lugar ou circunstância, você estará sempre no céu.

Shundo Aoyama Roshi
(em “Para Uma Pessoa Bonita”)

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Eu POSSO perder tudo

Como é que dentro da nossa mente, nós construímos um mundo inteiro, não é? E, um fio de cabelo separa todo o céu e a terra. O paraíso e o inferno. Um ligeiro, pequeno evento pode mudar tudo. Transpondo para o nosso problema, do ponto de vista espiritual, a nossa atitude mental é de que perdemos. Perdemos tudo. Perdemos todas as construções, tudo mais, estamos perdidos e então sentamos para nos encontrar. Mas esse “nos encontrar”, ele pode ser tão repentino e solucionar tudo tão completamente, como de repente achar a carteira perdida com tudo dentro. E todo o processo se dissolver instantaneamente. A iluminação é assim. A iluminação é um processo em que você vê a fantasia construída de tudo na vida. Todas as coisas, todas as angústias, todos os medos, todas as paixões, tudo...você consegue ver claramente a sua insubstancialidade. É insubstancial e pode ser dissolvido num estalar de dedos, numa pequena percepção.

Muitos anos atrás, eu estava numa empresa e era sócio minoritário, tinha uma pequena parte de uma empresa, para a qual eu fui convidado por um proprietário que tinha outras fábricas. Isso foi no Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. E, resumindo a história, num belo dia, nós estávamos exportando e eu fui no Banco do Brasil para receber um contrato de câmbio, e fui informado que o proprietário das empresas tinha retirado todo o dinheiro no exterior, na Alemanha, e nos deixado sem as receitas das exportações que tínhamos feito. De repente, eu entendi que tinha sido um grande golpe, um grande desfalque. Ele estava mal e resolveu receber todo o dinheiro dos contratos de câmbio e ficar no seu país de origem, na Alemanha. Eu perguntei a um advogado o que eu poderia fazer e ele disse que até que nós conseguíssemos resolver, conseguíssemos eventualmente receber alguma coisa desse desfalque, tudo já teria quebrado aqui, que não valeria a pena e a expressão usada por ele foi “colocar dinheiro bom em cima de dinheiro ruim”. Você vai gastar dinheiro e não vai obter nada.

Então, simplificando, eu era avalista da empresa e, naquele momento, vi que perderia tudo: nome, crédito, empresa, tudo que tinha sido construído durante alguns anos. Eu voltei pra casa pensando: “Bom, desabou tudo. Tudo que eu construí, como diretor de indústrias, etc e tal, se desfez agora, porque eu vou ser conhecido como alguém que estava numa empresa que faliu”. Até que você explique que seu sócio fez um grande desfalque, isso não soluciona nada. Então, fui dirigindo até que cheguei em casa e pensei: “o que eu posso fazer se eu vou perder tudo, meus bens, minha casa, tudo mais? Como eu vou explicar isso? Então, eu fui até o meu quarto e tinha um zafu. Aí eu peguei o zafu (almofada de meditação), fechei a porta do quarto, coloquei o zafu no chão... é, não tem solução ... então me sentei em zazen. Isso foi na década de 80, faz mais de 30 anos. Sentei no zafu e olhei para porta fechada. E não levou muito tempo. De repente, eu percebi uma coisa muito simples: eu vou perder tudo, mas eu POSSO perder tudo. Eu tenho a capacidade de perder tudo. Essa simples idéia “eu posso perder tudo e eu posso construir tudo também. Eu sou livre, sou completamente livre para perder tudo. Eu posso perder tudo: carro, casa, nome, crédito, qualquer coisa. Eu sou livre para perder”. Aí, me levantei do zafu, entrei no carro e voltei para o Vale dos Sinos. Falei com cada um dos credores da empresa e passo a passo, comecei vendendo estoques, devolvendo máquinas, etc., fazendo uma coisa depois da outra. Eu resolvi tudo. Consegui resolver absolutamente tudo. E isso aconteceu porque eu pensei “Sim, eu posso perder tudo. Eu tenho condição de perder tudo”.

É mais ou menos como perder a carteira com todos os documentos. O que que você tem que fazer? Passo a passo, fazer cada documento de novo. Só isso. Ligar, bloquear, etc. Fazer tudo de novo, passo a passo. Tudo você conseguirá. É como morrer, também. Receber uma notícia de que tem uma doença terminal. “Ah, eu sei que vou morrer”. Como eu contei ontem, daquela aluna que veio aqui em janeiro, aqui em Florianópolis e falou comigo: “Monge, eu vou morrer esse ano. É a terceira reincidência e eu sei que eu vou morrer. O que que eu faço”? Simples, vamos preparar para morrer. Vamos nos sentar em zazen e nos preparar para ter uma boa mente para morrer. Não é tão complicado. É passo a passo, simplesmente continuar andando para a frente, porque se você andar para a frente, dez trilhões de léguas, encontrará a si mesmo, no mesmo lugar. Nós temos a capacidade de encontrarmos a nós mesmos, além dos sonhos e dos jogos todos da vida. Só ir andando e resolvendo as coisas à medida  que aparecem.

É como no sesshin. Eu estou fazendo zazen, está difícil fazer esse zazen, está doendo a minha perna. Está bem. Depois tem kinhin. Posso esperar pelo kinhin, aí, relaxo. Então, zazen de novo. E basta fazer um zazen de cada vez. É só esse. Só mais esse. E, agora, mais outro. Depois, mais outro. Depois, o outro dia. Só isso. Nenhum dos seres que estão aí fora fica olhando no calendário. Os pássaros, os peixes, as plantas, eles não olham no calendário. Eles vivem um dia de cada vez. Então, a única coisa que nós precisamos fazer é dar um passo.

Meu grande problema, no evento que eu contei para vocês, foi toda a imaginação. Tudo o que eu imaginei, naquele trajeto até Porto Alegre, dirigindo e pensando “vou perder tudo”, foi horrível. Me lembro até hoje. Mas, depois que eu vi que tinha capacidade de perder tudo, então, pude voltar e resolver tudo. E também todos os problemas se dissolveram na minha frente.

Monge Genshô
(postado em seu blog "O Pico da Montanha é onde estão os meus pés")

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Quando nos protegemos para não sentir dor

Quando nos protegemos para não sentir dor, essa proteção transforma-se em uma espécie de armadura, uma couraça que aprisiona a suavidade de nosso coração. Fazemos tudo o que vem à mente para não nos sentirmos ameaçados. Tentamos prolongar a sensação de estar bem consigo mesmo. Quando vemos nas revistas fotografias coloridas de pessoas se divertindo na praia, muitos de nós sinceramente desejam que a vida pudesse ser assim tão boa.

Quando inspiramos a dor, de algum modo, ela penetra nossa couraça. Nossa proteção vai sendo suavizada. Aquela armadura pesada, enferrujada e rangente começa, enfim, a parecer menos monolítica. Com a inspiração, ela começa a ruir e percebemos que podemos respirar profundamente e relaxar. Bondade e ternura começam a emergir. Não precisamos mais ficar tensos, como se estivéssemos o tempo todo na cadeira do dentista.

Quando expiramos alívio e sensação de espaço, também estamos promovendo a desintegração da couraça. A expiração é uma metáfora para expressar a abertura total de nosso próprio ser. Quando sentimos que algo é precioso, em vez de nos apegarmos fortemente, podemos abrir as mãos e dividi-lo com os demais. Podemos dar tudo. Podemos compartilhar a riqueza desta insondável experiência humana.

Pema Chodron
(em”Quando Tudo se Desfaz”)

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Não temer a dor

Quando encontramos uma mulher com o filho no colo pedindo esmolas na rua, quando vemos um homem surrar impiedosamente seu cão aterrorizado, quando nos deparamos com um adolescente espancado ou o medo nos olhos de uma criança, damos as costas porque não podemos suportar? Isto é o que a maioria de nós provavelmente faz. Alguém precisa nos encorajar a não deixar de lado o que sentimos, a não nos sentirmos envergonhados pelo amor e pesar que surgem, a não temer a dor. Alguém tem de nos dizer que é possível despertar a ternura que existe em nós e que, ao fazer isso, mudaremos nossa vida.

Pema Chodron
(em”Quando Tudo se Desfaz”)

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Uma segunda chance

Não importa o que aconteceu no passado, agora podemos lidar com compaixão com nossos hábitos, pensamentos e emoções. Podemos não dar destaque a quem nos magoou e, assim, nos libertarmos. Se alguém atirar uma flecha em meu peito, posso deixar a ferida supurar, enquanto grito com o assassino, ou retirar a flecha o mais rápido possível. Ao longo da vida, terei os meios de mudar o filme da minha vida, para que as mesmas coisas não aconteçam. A mesma coisa repete-se para provocar sentimentos iguais, até que façamos uma aliança com eles. Nossa atitude deverá ser positiva no sentido de pensar que teremos uma segunda chance, e não outra experiência ruim.

Pema Chodron 
(em "O Salto: Um Novo Caminho Para Enfrentar as Dificuldades")

terça-feira, 14 de outubro de 2014

A ignorância é cega

Imagine-se andando com os braços carregados de compras do supermercado. Então, alguém grosseiramente colide, fazendo você e as compras caírem no chão. Assim que você se levanta da poça de ovos quebrados e massa de tomate, está pronto para gritar: “Imbecil! O que há de errado com você? Está cego?”.

Mas antes mesmo que possa tomar fôlego para falar, você vê que a pessoa realmente é cega. Ele também está esparramado na poça. Sua raiva some em um instante, para ser substituída por preocupação bondosa: “Você está machucado? Deixe eu te ajudar”.

Nossa situação é como essa. Quando claramente compreendemos que a fonte da desarmonia e dor no mundo é a ignorância, podemos abrir a porta da sabedoria e compaixão. Então, ficamos em uma posição adequada para curar a nós mesmos e aos outros.


B. Alan Wallace

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Aprender com os erros e prosseguir no caminho



No livro A Arte da Felicidade, Howard Cutler perguntou ao Dalai Lama se havia feito alguma coisa na vida da qual se arrependia, ou lamentasse. Ele disse que sim, e contou a história de um monge idoso que o procurou um dia e lhe falou que gostaria de realizar uma prática de alto nível budista. O Dalai Lama, sem refletir, disse ao homem idoso que essa prática seria muito difícil de fazer e talvez fosse mais apropriada para alguém mais jovem, porque, tradicionalmente, era uma prática que deveria começar na adolescência. Depois, soube que o monge se suicidara para renascer em um corpo mais jovem, a fim de realizar melhor a prática.

Cutler ficou atônito. Ele perguntou ao Dalai Lama como havia conseguido lidar com esse arrependimento. Também perguntou como se libertara dele. O Dalai Lama fez uma longa pausa e refletiu profundamente. Depois disse: “Eu não me libertei desse sentimento. Ainda está presente”. E continuou: “Embora esse sentimento de arrependimento ainda esteja presente, não está associado a um sentimento de opressão ou um motivo para eu recuar”.

Fiquei muito comovida com essas palavras. Temos a ideia errônea de que ou nos arrependemos ou nos livramos da culpa. Trungpa Rinpoche disse que devíamos guardar a tristeza da vida em nosso coração, mas sem esquecer a beleza do mundo e a maravilha de estar vivo. Então, chegará um momento em que seremos capazes de sentir o coração dilacerado pelos nossos sofrimentos e os de outras pessoas, sem nos deprimirmos. O Dalai Lama disse ainda que a atitude de se deprimir ou de se retrair por causa de arrependimentos não beneficia ninguém e, por isso, aprendeu com seus erros e prosseguiu em seu caminho fazendo todo o possível para ajudar os outros. Creio que podemos dizer que ele é um grande professor porque enfrenta seus desafios. Ele não passa pela vida imune, sem tristeza ou remorso. Porém, ele não transforma esses sentimentos no que chamamos “culpa” ou a vergonha que nos deprime e nos faz sentir impotentes em relação a nós mesmos e aos outros.

Pema Chodron
(em "O Salto: Um Novo Caminho Para Enfrentar as Dificuldades")



sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Agir em benefício de todos

A prática do Dharma consiste em treinar nosso corpo, fala e mente em ações benéficas e aplicar o poder adquirido em auxiliar todos os seres para que possam alcançar a iluminação o mais rápido possível. Nossa atitude mental de agir em benefício de todos gradualmente torna-se um meio de vida onipresente. Essa atitude amorosa espalha-se através de nossas atitudess diárias. Nos tornamos inspiração para os outros, mostrando o que deve ser feito e o que evitar. A cada pura motivação nossa mente ilumina-se um pouco mais e nossa conduta torna-se mais pura. Dessa maneira, amplia-se a nossa atividade bodhisattva e nossa meditação alcança mais realizações devido a nossa gentileza e compaixão.

Lama Gendun Rinpoche
(em “Heart Advice of a Mahamudra Master”)

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Na pessoa odiosa há também uma pessoa adorável


Logo, segundo Mestre Linji, não devemos odiar nem amar coisa alguma, pois estas duas atitudes nos mantêm presos ao corpo, às sensações e às percepções. Se amamos o sagrado e odiamos o comum, não somos livres. Só a compreensão da interdependência pode impedir-nos de correr em busca do amor e pra longe do ódio. Na pessoa odiosa há também uma pessoa adorável. E se soubermos como, o que é odioso se tornará adorável. E nessa pessoa adorável existe o que é odioso, e se não formos habilidosos o odioso acabará por predominar e a pessoa adorável não mais nos agradará.

Thich Nhat Hanh
(em “Nada Fazer, Não Ir a Lugar Algum”)

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O melhor

O melhor erudito é aquele que realizou o significado da ausência de qualquer existência verdadeira.

O melhor monge é aquele que domou a sua própria mente.

A melhor qualidade é um grande desejo de beneficiar os outros.

A melhor instrução é sempre observar a mente.

O melhor remédio é conhecer que nada tem realidade inerente.

O melhor modo de vida é aquele que não se encaixa nos modos mundanos.

A melhor realização é uma diminuição constante das emoções negativas.

O melhor sinal da prática é uma diminuição constante dos desejos.

A melhor generosidade é o não-apego.


Atisha

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Meditar significa acolher

Às vezes sentimos culpa. Às vezes somos arrogantes. Em outras, nossos pensamentos e lembranças nos aterrorizam e nos tornam muito infelizes. Os pensamentos cruzam nossa mente o tempo todo e, quando sentamos, estamos dando a todos eles muito espaço para que surjam. Como nuvens em um céu amplo ou ondas em um vasto mar, estamos dando a todos os nossos pensamentos espaço para que apareçam. Quando um deles atrai nossa atenção e nos arrebata, quer seja agradável ou desagradável, devemos perceber "estou pensando", com toda a abertura e bondade que pudermos reunir e deixar que ele se dissolva no amplo céu. Não há problema se as nuvens e ondas imediatamente retornam. Simplesmente reconhecemos sua existência mais uma vez, com amizade incondicional, "estou pensando", e deixamos que elas se dissolvam continuamente.

Às vezes as pessoas usam a meditação para tentar evitar mais sentimentos ou pensamentos perturbadores. Tentamos usá-la como uma forma de afastar o que nos incomoda e quando nos conectamos com algo prazeroso ou inspirador, podemos achar que finalmente conseguimos, e tentamos ficar nesse ponto onde há paz, harmonia e onde não temos nada a temer.

Portanto, desde o início, é bom lembrar sempre que meditar relaciona-se com abrir e relaxar, surja o que surgir, sem selecionar ou escolher. Definitivamente não significa reprimir nada e também não tem a finalidade de estimular o apego. Milarepa, um yogui tibetano do século XII, cantava canções  maravilhosas sobre a forma correta de meditar. Uma delas dizia que há mais projeções na mente que partículas de poeira num raio de sol, e que nem mesmo centenas de lanças podem pôr fim a isso. Portanto, como meditadores, podemos parar de lutar contra nossos pensamentos e perceber que a honestidade e o senso de humor são muito inspiradores e úteis (...).

Pema Chodron
(em "When Things Fall Apart")

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Aceitar você


“Ser belo significa ser você. Você não precisa ser aceito pelos outros. Você só precisa aceitar você.”

Thich Nhat Hanh

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Nem apego, nem aversão

Uma pessoa liberta nem se prende ao mundo e nem sente aversão a ele.
Ambos, apego e aversão, são cordas que nos amarram.

Uma pessoa livre transcende a ambos a fim de viver em paz e liberdade.


Buda

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Não espere mais um segundo para praticar

Não espere mais um segundo para praticar. Entre em ação imediatamente, como um covarde que encontra uma cobra no colo ou uma dançarina cujo cabelo acabou de pegar fogo. Abandone totalmente as atividades mundanas e devote-se agora mesmo à prática do Dharma. Caso contrário, você nunca encontrará tempo; uma atividade mundana virá atrás da outra, infindavelmente, como as ondas na água. As atividades só cessarão quando decidirmos pôr-lhes fim de uma vez por todas. Como diz o Onisciente Longchenpa:

As preocupações mundanas não cessam até a morte.
 Mas terminam quando as abandonamos; tal é a natureza delas.

Nossas atividades são como brincadeiras de crianças;
 duram enquanto brincamos e terminam assim que paramos de brincar.

Quando sentir o desejo de praticar o Dharma, não deixe que a preguiça ou a procrastinação o dominem nem por um instante. Comece a praticar imediatamente, estimulado pela ideia da impermanência. É isso que é diligência na ação.

Patrul Rinpoche
(em “As Palavras do Meu Professor Perfeito”)

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Tomando refúgio

Tomar refúgio é uma atitude mental de confiança aberta para o objetivo de despertar, e uma prática diária através do qual encontramos sempre o caminho para essa abertura. Visualisamos todos os seres do universo, humanos e não-humanos, reunidos em tornos de nós,  e que estamos conduzindo-os coletivamente para o refúgio. Reunidos no espaço em torno de nós estão todos os budas e bodhisattvas, assim como todos as outras fontes na qual buscamos refúgio. Focamos nossa atenção neles e desenvolvemos completa confiança em sua capacidade de nos libertar do sofrimento da existência cíclica e nos proteger do medo causado por esse sofrimento.

Com essa convicção, e acompanhados por todos os seres do universo, recitamos a oração de refúgio. Sentimos que ela preenche o espaço com sua vibração, e que em resposta a essa confiança, luzes irradiam dos seres nos quais buscamos refúgio até nós. Essa luz nos preenche com as bençãos do corpo, da fala e da mente de todos os budas, e evoca em nós grande devoção para com eles. Impregnados dessa devoção e de confiança, iniciamos nossas diversas práticas, as quais desenvolverão ainda mais nossa compreensão e nossa apreciação do refúgio.  

Lama Gendun Rinpoche
(em “Heart Advice of a Mahamudra Master”)