segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Ao viajar nos livramos de nós


Não creio ser verdade o que dizem, que ao viajar alguém possa se transformar em outra pessoa: o que acontece é que nos livramos de nós mesmos, de nossas obrigações e nosso passado, tal como reduzimos tudo o que possuimos aos poucos objetos necessários que vão dentro da mala. A parte mais pesada de nossa identidade sustenta-se sobre o que os outros pensam e sabem sobre nós. Olham-nos e sabemos que sabem, e no silêncio forçam-nos a ser o que esperam que sejamos.

Antonio Muñoz Molina

domingo, 30 de dezembro de 2012

Renúncia

Se existe o desespero, é porque ainda existe um "eu" que se desespera, que se deleita na dor e que se leva muito a sério. Se renuncio a este eu, renuncio, ao mesmo tempo, ao desespero.

Jean-Yves Leloup
(em "O Absurdo e a Graça")


sábado, 29 de dezembro de 2012

Quero saber se podes


Não me interessa saber o que fazes para ganhar a vida. Quero saber o que desejas ardentemente, se ousas sonhar em atender aquilo pelo qual o teu coração anseia. Não me interessa saber a tua idade. Quero saber se arriscarás parecer um tolo por amor, por sonhos, pela aventura de estar vivo. Não me interessa saber que planetas estão em quadratura com a tua lua. Quero saber se tocaste o âmago da tua dor, se as traições da vida te abriram ou se te tornaste murcho e fechado por medo de mais dor! Quero saber se podes suportar a dor, minha ou tua; sem procurar escondê-la, reprimi-la ou narcotizá-la. Quero saber se podes aceitar alegria, minha ou tua, se podes dançar com abandono e deixar que o êxtase te domine até às pontas dos dedos das mãos e dos pés, sem nos dizeres para termos cautela, sermos realistas, ou nos lembrarmos das limitações de sermos humanos. Não me interessa se a história que contas é verdade. Quero saber se consegues desapontar outra pessoa para ser autêntico contigo mesmo, se podes suportar a acusação de traição e não traíres a tua alma.

Quero saber se podes ver beleza mesmo que ela não seja bonita todos os dias, e se podes buscar a origem da tua vida na presença de Deus, quero saber se podes viver com o fracasso, teu e meu e ainda, à margem de um lago, gritar para a lua prateada: Posso! Não me interessa onde moras ou quanto dinheiro tens. Quero saber se podes levantar-te após uma noite de sofrimento e desespero, cansado, ferido até aos ossos, e fazer o que tem de ser feito pelos filhos. Não me interessa saber quem és e como vieste parar aqui. Quero saber se ficarás comigo no meio do incêndio e não te acovardarás. Não me interessa saber onde, o quê, ou com quem estudaste. Quero saber o que te sustenta a partir de dentro, quando tudo o mais se desmorona. Quero saber se consegues ficar sozinho contigo mesmo e se, realmente, gostas da companhia que tens nos momentos vazios.

Jean Houston
(em "Paixão Pelo Possível")


sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Budismo, reencarnação e renascimento


Muitas pessoas confundem o budismo com uma doutrina que crê em reencarnação, mas isso não é verdade, porque não existe reencarnação no budismo, não da maneira como se entende reencarnação. Pois não existe nenhuma alma para reencarnar, nenhum espírito, nenhum eu. Há continuidade, mas não de um eu. Somente nosso karma ou nossos impulsos podem permanecer, como movimento que são. E como são movimento, tentarão se manifestar novamente e gerarão um novo ser muito semelhante a nós, com os mesmo desejos e tudo mais, que também olhará para si mesmo e dirá “eu sou”. Este ser até, na infância, pode ter recordações fugazes da existência anterior, mas a perde rapidamente com a idade, chamamos isto, no budismo, de renascimento, em tudo é semelhante ao conceito de reencarnação exceto pelo fato de não haver um eu pessoal que subsiste.
 (Para os que perguntam sobre a tradição dos tulkus no budismo tibetano, o reconhecimento de renascimentos, ela não conflita com este conceito desde que está claro que não se trata de continuidade de um eu, mas sim de continuidade cármica, se houvesse sobrevivência de um eu não se trataria de budismo, pois Buda negou esta possibilidade)
 E porque continua esse ser iludido criando novas identidades vidas após vidas, sem parar, esse ser não passa de um ser cíclico, repetindo sempre os mesmo atos, as mesmas insatisfações, os mesmos desejos e as mesmas tristezas. Como podemos escapar desse ciclo? Somente se mudarmos nossos olhos, os olhos que vêem o mundo. Porque temos olhos de eu, olhamos o mundo como um mundo que age e interage conosco, quando essa interação também é ilusória. Todas as ações e reações das pessoas, todas as coisas que nós temos, todas, são projeções do nosso eu. Nós projetamos nosso eu sobre todas as coisas e as interpretamos de acordo com nosso eu, e este eu é nosso engano. 


Monge Genshô
(postado em seu excelente blog O Pico da Montanha é Onde Estão os Meus Pés)


sábado, 22 de dezembro de 2012

Eu somente não sou cínico com as crianças


Sacrifiquei uma amizade
por uma palavra a mais,
um amor por uma palavra a menos,
uma leitura pela falta de insistência.
Modifico a infância ao avançar.
Esqueço a data ao preencher o cheque.
Uso chapéus dentro de casa.
Deveria ser preso por atravessar
uma praça ensolarada e não sentar.
Atravessar uma vida sem atalhar pela praça.

Eu somente não sou cínico com as crianças.
Mesmo com elas, tenho que me controlar.

Fabrício Carpinejar

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Dramas da vida cotidiana


O que desejamos, o que nos desagrada, o que pensamos, o que sentimos, tudo é impermanente. As palavras de elogio ou de censura são impermanentes. Todas vêm e vão. Se compreendermos isso, não ficaremos tão desnorteados com os dramas da vida cotidiana.

Chagdud Tulku Rinpoche
(em "Sementes de Sabedoria")

sábado, 15 de dezembro de 2012

Basta atenção


Um monge perguntou a seu mestre:
-Qual o caminho mais curto para alcançar a iluminação?
O mestre respondeu:
- Atenção.
O monge insistiu:
- Além disso, o que mais é necessário?
- Atenção, atenção.
- Já sei que a atenção é necessária, mas depois disso o que vem, o que seria mais importante?
- Atenção, atenção, atenção.

Zen

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A agonia de viver do outros


Agora que existem computadores para quase todo o tipo de procura de soluções intelectuais — volto-me então para o meu rico nada interior. E grito: eu sinto, eu sofro, eu me alegro, eu me comovo. Só o meu enigma me interessa. Mais que tudo, me busco no meu grande vazio.Procuro me manter isolada contra a agonia de viver dos outros, e essa agonia que lhes parece um jogo de vida e morte mascara uma outra realidade, tão extraordinária essa verdade que os outros cairiam de espanto diante dela, como num escândalo. Enquanto isso, ora estudam, ora trabalham, ora amam, ora crescem, ora se afanam, ora se alegram, ora se entristecem.

Clarice Lispector
(em "Um Sopro de Vida")

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Nada está oculto


Um monge Zen queixava-se de que o mestre não era claro em seus ensinamentos. Quando passeavam pelo campo num dia de primavera, o aluno disse:
- Que perfume delicioso, o dessas flores!
E o mestre lhe responde:
- Viu como não te escondo nada?

Zen

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Estamos apenas de passagem


Uma vez, há muitos anos, um viajante visitou um sábio monge em sua humilde cabana. Espantado, ele viu que o monge possuía apenas uma mesa, um banco, e alguns livros.
- Mestre, onde estão seus móveis? - perguntou ele.
- Onde estão os seus? - retrucou o mestre.
- Os meus? Eu estou apenas de visita aqui, viajando de passagem.
- Eu também - disse o mestre.

Conto Zen


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

É bela por isso

Para que hei-de chamar minha irmã à água, se ela não é minha irmã?
Para a sentir melhor?
Sinto-a melhor bebendo-a do que chamando-lhe qualquer coisa.
Irmã, ou mãe, ou filha.
A água é a água e é bela por isso.
Se eu lhe chamar minha irmã,
Ao chamar-lhe minha irmã, vejo que o não é
E que se ela é a água o melhor é chamar-lhe água;
Ou, melhor ainda, não lhe chamar coisa nenhuma,
Mas bebê-la, senti-la nos pulsos, olhar para ela
E isto sem nome nenhum.

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
(em "Poesia Completa de Alberto Caeiro") 

sábado, 8 de dezembro de 2012

Zen e o mistério que ocorre a cada instante

O Zen se revela na vida mais monótona e entediante do homem simples, na estrada, e que percebe que vive no meio da vida, como a vida é de fato. O Zen nos abre os olhos para o maior mistério, aquele que ocorre diariamente e a cada instante.

Daisetz Teitaro Suzuki

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Atenção a mim, atenção ao outro


Quando dedico atenção a mim mesmo, também o faço com o outro; e dedicando atenção ao outro, eu o faço comigo também.

Buda


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Se desapegue de si mesmo

Tome consciência de si e de onde você se encontra, então se desapegue de si mesmo; essa é a melhor coisa a fazer.

Mestre Eckhart


terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O ordinário da vida


"O ordinário da vida é o extraordinário. E o que a rotina faz com a gente é encobrir essa verdade".

Eliane Brum


sábado, 1 de dezembro de 2012

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O Valioso Tempo dos Maduros - Mario de Andrade


Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.

‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa…
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!

Mario de Andrade


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A vida tem sentidos infinitamente múltiplos


Schopenhauer e os inúmeros escritores da Europa moderna que, abertamente ou não, adotaram a filosofia niilista, de Cioran a Berhard e de Houellebecq a Jelinek, todos eles viveram, quando jovens, numa ficção forte e coercitiva (religiosa ou política). Tendo entendido mais tarde que Paraíso, Inferno e Futuro radioso eram bobagens, que o Sentido da existência humana não era determinado nem por Deus, nem pela História, eles concluíram que ela não tinha Sentido algum, que era apenas tragédia, horror e derrisão, e se puseram a bradar contra a própria vida.
Isso é absurdo.
A vida tem Sentidos infinitamente múltiplos e variados: todos aqueles que lhe conferirmos.
A nossa condição é a ficção, o que não é uma razão para desprezá-la.
Cabe a nós torná-la interessante.

Nancy Houston
(em “A Espécie Fabuladora”)

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Humildade - Cecília Meireles

Tanto que fazer !
Livros que não se lêem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.
Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis…
até o fim do mundo assinando papéis.
E os pássaros detrás de grades de chuvas,
e os mortos em redôma de cânfora.
( E uma canção tão bela ! )
Tanto que fazer !
E nunca soubemos quem éramos
nem para quê.


Cecília Meireles

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Falso medo


Uma vez que somos todos humanos, temos tendência a criar um falso problema. Ele existe porque não temos escolha, senão viver segundo um particular e peculiar tipo de mente. Nosso modo de pensar não é o mesmo de um gato, de um cavalo, ou mesmo de um golfinho. Em virtude do mau uso que fazemos de nossa mente, confundimo-nos com dois tipos de medo. Um é o medo comum: quando somos ameaçados fisicamente, reagimos, tomamos uma atitude; podemos fugir, lutar, chamar a polícia. Entretanto, fazemos alguma coisa; esse é o medo comum e natural. Porém, a maior parte de nossa vida ansiosa não se baseia nesse tipo, mas num outro, que é falso.

O falso medo existe porque usamos nossa mente de modo incorreto. Por nos vermos como um "eu" separado, enquanto entidade, criamos várias sentenças com "eu" como sujeito. Elas dizem respeito ao que aconteceu com esse "eu" ou com o que poderia acontecer-lhe, ou com uma maneira de analisar e controlar esses eventos. Toda essa atividade mental praticamente incessante implica uma avaliação contínua e inquieta de nós mesmos e dos outros.

Em decorrência do medo que vem desta falsa imagem, não podemos agir com inteligência alguma; é um medo que tenta manipular e manobrar. Depois de termos "avaliado" uma situação ou uma pessoa, até podemos começar a agir, mas essa ação costuma estar fundada num erro, num pensamento falso sobre a existência de um "eu" separado da ação. Podemos ter os seguintes pensamentos: "Talvez eu não consiga tirar aquela nota"; "Talvez eu não impressione"; "Posso acabar sem nada"; "Sou importante demais para lavar a louça". Forma-se um sistema peculiar de valores a partir de pensamentos em primeira pessoa como esses, segundo o qual nossa preferência é valorizar apenas as pessoas e os acontecimentos que, esperamos, venham a manter ou a estabelecer uma vida segura e tranqüila para esse "eu". Depois de nos avaliarmos, desenvolvemos várias estratégias para a preservação dele. Costumávamos dizer, no tempo da psicologia pop do sul da Califórnia, "tenho de amar a mim mesmo". Mas quem está amando quem? De que maneira é possível um "eu" amar "a mim mesmo"? Sentimos que "tenho de amar a mim mesmo, tenho de ser bom para comigo mesmo, tenho de ser bom para com você". Há um medo imenso por trás desses julgamentos, medo que não realiza coisa alguma. Temos um "eu" fictício que tentamos amar e proteger. Passamos a maior parte de nossa vida jogando esse jogo inútil. "O que acontecerá? Como será? O que vou tirar disso tudo?" Eu, eu, eu: é um jogo mental ilusório, e estamos perdidos dentro dele.

Nossa suposição é que, logo que percebemos que estamos vendo o jogo, ele cesse, mas não é o que se dá. E como dizer a um alcoólatra que não fique bêbado. Estamos perpetuamente embriagados. Darmos ordens a nós mesmos o tempo todo, insistindo para agirmos de modo correto, de nada adianta. "Não vou ser assim" não é a resposta. Qual é a resposta? Precisamos enfrentar esse problema de um outro ângulo, temos de entrar pela porta de trás. Primeiro, precisamos tomar consciência de nossa ilusão, de nossa embriaguez. O texto antigo diz: ilumine a mente, dê-lhe luz, preste atenção. Isso não é o mesmo que auto-aperfeiçoamento, tentar consertar a própria vida. É shikan: apenas ficar sentada, vivenciar, conhecer as ilusões (as sentenças em primeira pessoa) como são.

Não é que "eu" ouço os pássaros. É só ouvir os pássaros. Permitam-se ser o ver, o ouvir, o pensar. Isso é o que significa sentar. E o falso "eu" que interrompe a maravilha com o desejo incessante de pensar sobre "eu". A maravilha está acontecendo o tempo tudo: o pássaro canta, os carros passam, as sensações corporais prosseguem, o coração pulsa; a vida é um milagre a cada segundo, mas ao sonharmos nossos sonhos em primeira pessoa perdemos tudo isso. Portanto, permaneçamos só sentados com o que talvez pareça uma confusão. Sintam-na apenas, sejam essa confusão, apreciem-na. Nessa condição temos possibilidade de ver com mais freqüência através dos falsos sonhos que obscurecem nossa vida. E depois, o que há?

Charlotte Joko Beck,
(em "Sempre Zen")

domingo, 25 de novembro de 2012

Abandonar corpo e espírito


Se abandonarmos corpo e espírito, poderemos entrar na casa de Buda.
A ação surgirá através do corpo de Buda
e só teremos que deixar-nos guiar por ela.

Dogen Zenji

sábado, 24 de novembro de 2012

O cosmo em nós mesmos


Pelo abandono do ego e de todas as coisas, cortando ilusões e desejos do corpo e do espírito, nós nos harmonizamos com o Caminho.

Durante o zazen, abandonamos o ego, bem como a separação do bem e do mal.

Temos de encontrar o cosmo em nós mesmos, além das concepções. Assim podemos encontrar a harmonia perfeita.

Se compreendemos o sistema cósmico, nós não o veremos mais através dos nossos olhos, mas através dos olhos de Buda: os olhos da verdadeira sabedoria, onde não existe mais sofrimento, nem prazer, nem felicidade nem infelicidade.

Taisen Deshimaru
(em "Shodoka - O Canto do satori Imediato")

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A vida não passa de um sonho



O Mestre Takuan estava morrendo.

Um discípulo aproximou-se dele e perguntou qual era o seu testamento. Takuan respondeu que não tinha nenhum. Mas o discípulo insistiu:

- O senhor não tem nada, nada a dizer?

- A vida não passa de um sonho, disse ele. E expirou.

Taisen Deshimaru
(em "Shodoka - O Canto do Satori Imediato")

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O espírito profundo, diante de um fracasso

Diante de um fracasso, o espírito profundo não é afetado; ele continua a ser uma verdade cósmica na nossa vida cotidiana, um verdadeiro Buda, sempre em paz na infelicidade como na felicidade. Ela é a nossa vida interior, solitária, como durante o zazen.

O exterior pode estar sujo e ferido, mas o interior mantém-se puro e invulnerável. Assim se cria a harmonia com todo o universo, com todos os humanos.

A flor de lótus brota do lago lamacento.

Taisen Deshimaru
(em "Shodoka - O Canto do Satori Imediato")

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Basta existir para se ser completo.

A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.


Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
(em "Poesia Completa de Alberto Caeiro")

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Carma e Causalidade


A lei da causalidade aplica-se a tudo que sucede, é expressa na segunda Nobre Verdade, tudo tem causa. Carrma é um conceito que se aplica a uma ação que tem intenção, um EU por trás dela.

O carma do qual está livre o homem iluminado é o da geração de um carma próprio, que se aplica a ele mesmo, e seria sem sentido dizer que suas ações não geram frutos cármicos no mundo, seria como se ele atirasse uma pedra na água e esta não gerasse mais ondas, o que é absurdo.

Em vários textos zen está expresso que o motivo é que não tendo um eu não há como haver uma geração de um carma próprio. Algo a que este possa aderir. Mas isto não significa que as ações de um iluminado não geram causalidade, consequências.

Vê-se curiosamente que o hábito de usar a palavra carma para todos os sentidos, tais como fruto (vipaka) ação (carma) e mesmo causalidade, vem já de muito tempo e causa confusões.

Monge Genshô
(em seu excelente blog "O Pico da Montanha é onde estão os meus pés")

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

"Seu chá está esfriando"


Estudante Zen: "Então, Mestre, a alma é ou não imortal? Sobrevivemos à morte de nosso corpo ou nos aniquilamos? Nós realmente reencarnamos? Nossa alma se divide em partes componentes que se reciclam, ou entramos no corpo de um organismo biológico como uma única unidade? E retemos ou não nossa memória? Ou a doutrina da reencarnação é falsa? Talvez a noção da sobrevivência cristã seja mais correta? Se for assim, temos ressurreição do corpo ou nossa alma entra num reino puramente platônico e espiritual?"

Mestre: "Seu chá está esfriando".

domingo, 18 de novembro de 2012

O Zen é a tua vida diária


O caminho não se expressa mediante tua compreensão intelectual; nossa postura diante da vida e nosso caráter são o caminho.

O Zen é a tua vida diária. Se vais tomar banho, deves criar uma vida nova em teu banho. Quando entras na banheira, ali mesmo deves retornar à tua vida espiritual. O zen se refere a preencher de ar fresco a nossa vida diária.

Iluminar-se não significa aprender novos conceitos. Iluminar-se significa criar a própria de novo. Significa viver a própria vida como novidade a cada instante.

Se não te apegas a ti mesmo, viver não é tão difícil. Só porque te apegas a ti mesmo tudo parece complicado e problemático.

Para sair do beco sem saída de tua vida, deves contemplar o universo em sua totalidade, sem dar preferência a nenhum detalhe. Se contemplas o universo em sua totalidade os conceitos rígidos em que se baseiam tuas ilusões desaparecerão por si mesmos.

Kodo Sawaki
- foto de Dewan Irawan

sábado, 17 de novembro de 2012

Doar é não exigir nada

Doar significa não exigir nada. E isto não se refere somente a dinheiro ou bens materiais. Não devemos esperar pela iluminação e nem pelo paraíso, ou mesmo temer o inferno. Devemos viver nossa vida com a disposição de doar. Temos que viver o que é "bom para nada". Então abandonaremos o apego a nossa própria vida e nosso verdadeiro ser se manifestará livre e soberanamente em nossa postura diante da vida.

Kodo Sawaki

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Existir claramente


Louvado seja Deus que não sou bom,
E tenho o egoísmo natural das flores
E dos rios que seguem o seu caminho
Preocupados sem o saber
Só com florir e ir correndo.
É essa a única missão no mundo,
Essa - existir claramente,
E saber fazê-lo sem pensar nisso.

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
(em "Poesia Completa de Alberto Caeiro") 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Michel Onfray - A Liberdade se constrói no dia a dia

Só o homem ateu pode ser livre, porque Deus é incompatível com a liberdade humana.

Se Deus existe, eu não sou livre; por outro lado, se Deus não existe, posso me libertar. A liberdade nunca é dada. Ela se constrói no dia-a-dia.

Não se deve deixar a razão, com R maiúsculo, em segundo plano, atrás da fé – e sim dar à razão o poder e a nobreza que ela merece.

É preciso mostrar que o rei está nu, deixar claro que o mecanismo das religiões é o de uma ilusão. É como um brinquedo cujo mistério tentamos decifrar quebrando-o. O encanto e a magia da religião desaparecem quando se vêem as engrenagens, a mecânica e as razões materiais por trás das crenças.  

A razão não pode tudo. Deve ser consciente de suas possibilidades. Quando ela não consegue provar alguma coisa, é preciso reconhecer essas limitações e não fazer concessões à fábula, ao pensamento mitológico ou mágico. A idéia da criação divina é uma espécie de doença infantil do pensamento reflexivo.

A fraqueza, o medo, a angústia diante da morte, que são as fontes de todas as crenças religiosas, nunca abandonarão os homens. Por outro lado, é preciso que alguns espíritos fortes, para usar uma expressão do século XVII, defendam as idéias justas. A questão é converter novos espíritos fortes. Só isso já seria muita coisa.


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Jarras rachadas


Muitas vezes vivemos uma vida de concessões para que haja paz na casa. Compramos um pouco de paz para podermos chegar ao fim do dia.

Se vivemos dessa maneira não somos grandes pessoas, mas jarras rachadas, que não podem conter  a sopa.

Thich Nhat Hanh

terça-feira, 13 de novembro de 2012

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Eu ando em paz


A mente pode ir em mil direções,
Mas neste belo caminho eu ando em paz.
A cada passo sopra uma brisa fresca
A cada passo desabrocha uma flor.


Thich Nhat Hanh

domingo, 11 de novembro de 2012

Tudo cabe na mente

Deveis praticar de forma a que as coisas apareçam e se conformem na vossa mente, e a vossa mente retorne e se conforme às coisas, noite e dia.

Dogen

sábado, 10 de novembro de 2012

As pequenas flores ao longo do caminho


As pequenas flores que crescem ao longo do caminho vivem com todo o seu poder, quer alguém as veja ou não.

Pensamento Zen

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Trazer em si o centro do mundo

Quando você busca, você usa sua mente, você pensa.
E quando pensa, você cria carma.
A prática deve ser isenta de carma. Iluminar-se é não ser mais aprisionado pelo carma.
É fazer sem fazer, agir sem-agir.
É estar no centro do mundo, trazer em si o centro do mundo onde quer que esteja.

Clareza e vida


Fossemos nós como como devíamos ser
E não haveria em nós necessidade de ilusão...
Bastar-nos-ia sentir com clareza e vida
E nem repararmos para que há sentidos...

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
(em "Poesia Completa de Alberto Caeiro") 

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Não esperar nada que venha do exterior

Podemos aceitar qualquer coisa.
Podemos aceitar o barulho: o barulho também contém silêncio.
Temos de nos concentrar nele e não esperar nada que venha do exterior, como fez Buda.

Chogyam Trungpa
- foto de David Lazar

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Despertar


Despertar significa manter de maneira inquebrantável a sua unidade com o universo.

Kodo Sawaki
- foto de David Lazar

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Dogen - Últimas Recomendações

Esteja livre do desejo.
Esteja satisfeito.
Esteja tranquilo.
Seja diligente.
Lembre-se dos ensinamentos.
Pratique zazen.
Pratique a sabedoria.
E evite a fala inútil.

Dogen
(suas últimas recomendações aos discípulos)

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Olhos comuns e olhos de sabedoria

Quando meus olhos comuns
Encontram riachos, flores, nuvens e montanhas,
Vejo apenas riachos, flores, nuvens e montanhas
E sinto, por um momento,
Distrair as minhas preocupações...

Mas, quando meus olhos de sabedoria
Encontram riachos, flores, nuvens e montanhas
Vejo que sou, eu mesmo, riacho, flor, nuvem e montanha...
E a Suprema Felicidade
É minha única Natureza."


citado por Enio Burgos
(em "Autoencontro, Vida em pleno Contentamento")

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Um bom meditador


Um bom meditador usa a meditação o tempo todo em sua vida cotidiana, sem desperdiçar uma única oportunidade, um único evento, de manifestações conjuntas e dependentes. O dia inteiro a prática é realizada em perfeita concentração.

Um pensamento não é mais um objeto interior do que a montanha é um objeto exterior. Os dois são objetos de conhecimento. Nenhum deles é interno ou externo.

Uma grande concentração é alcançada quando você está em profunda comunhão com a realidade vivente. Nessas ocasiões a distinção entre sujeito e objeto desaparece e você penetra facilmente na realidade vivente, torna-se um com ela, porque você colocou de lado todas as ferramentas para medir o conhecimento, conhecimento este que o budismo chama de “conhecimento errôneo”.

Thich Nhat Hanh
(em "O Sol do Meu Coração")

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

As Cinco Lembranças


1. "Pertenço à natureza do envelhecimento; não há nenhum modo de escapar do envelhecimento."

2. “Pertenço à natureza das doenças; não há nenhum modo de escapar de sofrer alguma doença."

3. “Pertenço à natureza da morte; não há nenhum modo de escapar da morte."

4. “Tudo aquilo que me é querido e todos que amo pertencem à natureza da impermanência. Não há nenhum modo de evitar me separar deles algum dia."

5. "Minhas ações são meus únicos verdadeiros pertences. Eu não posso escapar às conseqüências de minhas ações. Minhas ações são o solo sobre o qual eu piso."


Buda

domingo, 28 de outubro de 2012

Tudo é real e tudo está certo


Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
(em "Poesia Completa de Alberto Caeiro") 

sábado, 27 de outubro de 2012

Se eu morrer muito novo


Se eu morrer muito novo, ouçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava,
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva -
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra coisa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
(em "Poesia Completa de Alberto Caeiro")

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Sentir a vida correr por mim


Oxalá a minha vida seja sempre isso:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito,
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
(em "Poesia Completa de Alberto Caeiro") 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O lugar onde estamos

Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
(em "Poesia Completa de Alberto Caeiro") 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Falsa noção do eu

Como seres humanos, somos profundamente inseguros e não sabemos quem realmente somos. Claro que esse problema não se mostra no nível superficial de nossas vidas. Estamos constantemente dizendo a nós mesmos quem somos, baseados nessa ideia de que estamos separados de tudo mais. Essa sensação de “eu sou separado” é a base do nosso senso de “eu”. Isso é reforçado pelas diversas identidades falsas às quais nos apegamos, noções como “eu sou isso” ou “eu sou aquilo”. Quaisquer crenças que tenhamos sobre nós mesmos são apenas extensões desse tema.

Na maioria das vezes em que olhamos em volta, imediatamente vemos que nosso ambiente valida essas falsas identidades. Por isso, é um esforço desafiador desconstruir essa ilusão do eu. Sempre que olhamos no espelho podemos ter algum pensamento sobre nós mesmos. Cada um desses pensamentos aumenta o efeito. Eles se tornam os tijolos conceituais que usamos para continuar construindo o castelo ilusório do eu.

No entanto, há a suspeita de que essa noção do eu pode ser muito frágil e transitória; esse pensamento fica silenciosamente se esgueirando em algum lugar de nossa mente. Na maioria das vezes, essa suspeita não é trazida à luz da consciência, mas se for, uma sabedoria interior profunda surgirá certamente.

Nossa suspeita sobre a fragilidade dessa falsa noção do eu pode ir em duas direções. Em geral, ela se torna a fonte do medo, ansiedade e insegurança. Frequentemente vemos pessoas temerosas e excessivamente defensivas no que se refere às suas próprias identidades. Nós mesmos temos a tendência de nos amedrontar caso nossa identidade seja ameaçada. Mas em outras vezes a suspeita pode ir em outra direção. Quando isso acontece, pode acontecer uma revelação de mudar a vida, que nos leva para a realização do nível mais elevado da verdade.

Essa ideia não é nenhuma nova super-teoria. Trata-se de uma sabedoria imemorial que já foi realizada por muitas pessoas na história humana. O Buda ensinou essa sabedoria, e em sua tradição isso é chamado de “anatman” ou “não-eu”. Esse é o termo usado para indicar que uma pessoa desnudou essa falsa noção do eu. Ela percebeu que essa sensação é apenas uma identificação com os papéis representados na vida. É apenas uma máscara, não a verdade.

Anam Thubten
(em “No Self, No Problem")

Retirado do blog darma.info

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Esquecer de si mesmo


É difícil esquecer de si mesmo. A primeira coisa para superarmos esse problema é sentar em zazen. Uma vez sentados, não devemos deixar que nossa mente faça comentários.

Primeiro, sentamos para meditar. Mas para que? Para meditar sobre nós mesmos? Sobre nossa vida? Não. Sentamos em zazen para esquecer. Esquecer nosso passado e nosso futuro. Se treinarmos nossa mente para isso, começaremos a nos tornar livres. É por isso que fazemos zazen. Será difícil alguém aqui achar um sofrimento do qual não possa dizer, “vem do eu”. Qualquer sofrimento vem do eu, os sofrimentos dos outros que nos doem, vêm do eu, porque somos apegados a eles. O sofrimento do eu que se sente ofendido, vem da crença no eu. Tudo vem do eu, pois como temos um eu, ele pode ser ofendido, se não houvesse um eu, não poderia me sentir ofendido. Algumas coisas são fáceis, bem fáceis. Se esquecermos que as coisas são nossas, não tem problema que elas sejam danificadas, não é isso que é mais importante.

Monge Genshô
(em seu blog "O Pico da Montanha é onde estão os meus pés")

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Olhei para as coisas e mais nada



O que vale a minha vida? No fim (não sei que fim)
Um diz: ganhei trezentos contos,
Outro diz: tive três mil dias de glória,
Outro diz: estive bem com minha consciência e isso é bastante...

E eu, se lá aparecerem e me perguntarem o que fiz,
Direi: olhei para as coisas e mais nada.

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
(em "Poesia Completa de Alberto Caeiro")