Como
o samsara se manifesta? O que quer que percebamos ao nosso redor com nossos
cinco sentidos, todos os tipos de sentimentos de relação e repulsão, se formam
em nossa mente. Não são as percepções em si que nos mantém no ciclo de
existências, mas sim o modo pelo qual reagimos a elas e o modo pelo qual as
interpretamos.
O
ódio ou a raiva que possamos sentir por alguém não são inerentes àquela pessoa.
Eles existem apenas em nossa mente. Assim que vemos o nosso inimigo, nossos
pensamentos se fixam na memória do mal que ele fez para nós, em seus ataques
presentes e naqueles que poderá fazer no futuro. Nos tornamos irritados a ponto
de não sermos mais capazes de suportar o som de seu nome. Quanto mais liberdade
nós damos a estes pensamentos, mais a raiva irá nos invadir e, com ela, a
vontade irresistível de pegar uma pedra para lhe jogar, ou de um bastão para
lhe bater. Deste modo, um simples instante de raiva nos conduz ao paradoxo do
ódio.
O
ódio parece muito poderoso para vocês, mas de onde ele tira o poder de
dominá-los a esse ponto? É uma força externa, com braços e pernas, armas e
guerreiros? Ou é uma força interna, que está dentro de vocês? Se esse for o
caso, vocês podem identificá-la em seu cérebro, em seu coração, ou em alguma
parte de vocês?
Apesar
de ser impossível de localizá-lo, o ódio parece ter uma presença muito concreta
que tende a amarrar a mente, a solidificá-la, e desse modo a desatrelar todo um
processo de sofrimento para vocês e para os outros. Assim como as nuvens que,
apesar de serem insubstanciais para suportar o menor peso, podem encobrir o céu
e o sol, do mesmo modo os pensamentos podem obscurecer o brilho da consciência
iluminada. Reconheçam o vazio da mente, sua transparência, e ela retornará por
si mesma ao seu estado natural de liberdade. Reconheçam o vazio do ódio e ele
perderá seu poder de fazer o mal. Ele se tornará a sabedoria que é como o
espelho.
Dilgo
Khyentse Rinpoche