Santôka Taneda
Santôka Taneda era um poeta andarilho e um monge da
tradição zen-budista Sôtô. Publicava seus poemas, revestidos de características
absolutamente únicas, em uma revista. Atraído pelos poemas, o mestre em poesia
Sumita Ôyama tinha vontade de encontrar-se com o autor. Certo ano, soube que
Santôka deixara a vida de andarilho e passara a residir em uma casa abandonada
na zona rural de Ogôri, na província de Yamaguchi. Foi visitá-lo em um dia
muito frio de inverno, próximo do final do ano.
Santôka estava a sua espera, com a refeição já pronta,
graças ao arroz que havia obtido por meio do takuhatsu*.
Entre goles de saquê, conversaram até de madrugada sobre
literatura e religião. Mas, na hora de dormir, Santôka disse, sobressaltado: “Essa
não! Não tenho cobertor para você. Mas não tem problema. Estou feliz por você
ter vindo. Vou passar a noite em claro. Durma com o meu cobertor”.
Entretanto, o cobertor era para criança – curto e fino. O
travesseiro consistia de três revistas empilhadas.
Quando o mestre Sumita reclamou que estava frio demais para
dormir, Santôka ficou preocupado e começou a vasculhar a casa em busca de
cobertores melhores. Quando viu que seu esforço era em vão, trouxe roupas,
lenços, tudo o que tinha a seu alcance, e empilhou sobre o mestre Sunita. E,
por cima de tudo, colocou uma mesa velha dizendo que esse peso daria uma
sensação maior de calor.
Graças também ao efeito do saquê, o mestre Sumita acabou
caindo no sono. Mas, ao raiar do dia, acordou por causa do vento gélido que fustigava
a pele como um chicote. Ao abrir os olhos e procurar por Santôka, viu que este
estava meditando em zazen à sua frente, usando o próprio corpo como parede para
proteger o amigo do vento. Mestre Sumita nos contou que, mesmo estando sob
aquela pilha de coisas, imediatamente se curvou diante de Santôka como quem
reverencia um Buda e chorou copiosamente.
Neste instante, jurou que não mais iria permitir que aquele
homem vivesse à base de takuhatsu e cumpriu a promessa até o fim, enviando uma
ajuda de custo a Santôka até a sua morte.
*Prática do monasticismo
budista de esmolar nas ruas, despertando a compaixão das pessoas e permitindo
que, ao fazer doações, elas possam acumular virtudes.
Shundo Aoyama Roshi
(em “A Coisa Mais
Preciosa da Vida”)