Sem a Grande Determinação não vamos conseguir atravessar a
noite escura. Se falhar a nossa determinação, vamos acabar “voltando para
trás”, em lugar de completar esta etapa da jornada. Não vamos chegar até o raiar
do novo dia, aquele pedaço de Iluminação que seria resultado de nosso
questionamento, fé e determinação.
Se a nossa determinação for fraca, vamos falhar. Se a nossa
determinação depende de outras pessoas para nos apoiar, vamos falhar. Pois a
noite escura da alma é exatamente isto: é um momento em que nos sentimos
totalmente sós – a nossa dúvida nos consumindo, a autoconfiança cambaleada, a
nossa fé no limite –, só vemos escuridão e é somente a nossa determinação que
nos segura no caminho. Afinal, o momento mais escuro da noite é o momento logo
antes do nascer do Sol. E é a mesma coisa na jornada espiritual.
No meio da noite escura da alma, passamos por uma fase de
ficar só enxergando as perdas, as “mortes”. Talvez percamos contato com a nossa
fé. Talvez nos entreguemos ao medo. Talvez não resistamos às pressões e
voltemos correndo, tentando voltar à nossa “zona de conforto” anterior, voltar
à “harmonia conhecida”, voltar às amizades e relacionamentos antigos que não
queremos arriscar perder, buscando apoio externo na falta de nosso próprio
apoio interno. Quantas e quantas pessoas fraquejam neste ponto, justo quando
estão quase lá, quase vencendo esta fase da jornada. Que tristeza! É como se
vendessem a alma, caíssem em “tentação”.
É por isto que todas as tradições espirituais falam da
dificuldade da jornada. Todas as tradições espirituais têm a sua forma de
descrever o processo de passar pela “noite escura da alma”. . A tradição budista nos
fala da determinação de Buda quando ele sentou em baixo da figueira, decidido a
não se levantar dali até que encontrasse a resposta, a Iluminação. Fala, em
linguagem simbólica, dos ninhos que pássaros construíram em seu cabelo, das
teias que as aranhas teceram, das plantinhas que cresceram entre os dedos dos
seus pés, tudo para nos ajudar a imaginar uma determinação tão firme,
inquebrantável, que permitisse que ficasse lá, sentado em meditação o tempo
suficiente e com a “imobilidade” – firmeza de propósito – suficiente para
atingir a Iluminação.
Lembro-me de momentos de dúvida (dúvidas que pareciam
bastante grandes para mim, na época), em que toda a minha fé foi posta à prova
e em que parecia que a minha determinação não ia aguentar, e lembro-me dos
raiares do sol que vieram ao final daquelas noites escuras da alma. Não posso
dizer que eu tenha atingindo qualquer GRANDE Iluminação, mas com certeza, sinto
que posso dizer que cheguei a algumas pequenas iluminações, de acordo com a
minha capacidade de ter uma dúvida, de cultivar a fé e de achar dentro de mim
mesma a determinação de prosseguir até a hora do Sol nascer.
Como será que isto vai acontecer? Como será o momento da
virada, de uma pequena iluminação? Vai ser o seu momento, único, totalmente
diferente dos meus momentos – e nem para mim um momento será igual ao outro. Só
posso compartilhar que, para mim, a virada vinha muitas vezes quando eu
finalmente parava de lutar contra os acontecimentos e me entregava totalmente.
Sabia que a gente tem todo o direito de espernear e reclamar tudo que quiser neste
universo? Só que o Darma simplesmente vai continuar procurando nos ensinar.
Então não precisa se sentir culpado por passar por uma fase de “briga com o
Universo” antes de chegar a uma entrega! Outras vezes, a virada veio quando
finalmente percebi a “comédia dos absurdos” numa situação e caí nas
gargalhadas, de corpo e alma. De qualquer forma, a virada vinha quando algo
dentro de mim mudou. A mudança nunca vinha de fora, só de dentro. Este que é o
detalhe importante: a mudança tem que vir de dentro.
A noite passa. O novo dia nasce. A Luz retorna. Portanto,
se você estiver atravessando uma noite escura da alma, não abra mão de sua fé,
não vacile na sua determinação. Não tente voltar ao “conforto” ou “harmonia” ou
“segurança” anterior. Se, no seu coração você sabe que está ouvindo a voz de
sua Natureza Buda, prossiga firme. Mergulhe, deixe que a Grande Dúvida lhe
“consuma” até os ossos, até a medula, até restar somente o grande Vazio.
Estique a sua fé, mantenha a sua determinação – e atinja mais um pedaço da
Iluminação. O importante é sempre manter-se firme na busca de Sabedoria e
Compaixão.
Se você está com mais Sabedoria e Compaixão, mais Paz e
Tranquilidade no “dia seguinte”, saberá que atravessou a noite. Mas, se está
com alguma raiva, algum mal-estar, alguma inquietação, saberá que ainda não
terminou a travessia ou, pior, saberá que desistiu no meio do caminho e voltou
para trás. Mesmo assim, não perca esperanças, não se critique, não se julgue.
Você fez o seu melhor. Aprenda com o processo. Veja onde “falhou”, onde “errou”
e comece de novo. A vida sempre nos oferece novas oportunidades. Temos todo o
tempo do Universo para nos iluminar – kalpas e kalpas estão à nossa disposição!
Então, não tenha medo. A noite passa.
Isshin-sensei
(missionária internacional da Sōtō Zen e orientadora da sangha Águas da Compaixão – texto retirado do site sobrebudismo.com.br )
(missionária internacional da Sōtō Zen e orientadora da sangha Águas da Compaixão – texto retirado do site sobrebudismo.com.br )
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