sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Um homem feliz






Posso dizer, sinceramente e sem ostentação, que sou um homem feliz, assim como digo que sei ler ou que tenho uma boa saúde. Se eu tivesse sido feliz sempre e continuamente, desde o momento em que, quando era pequeno, caí dentro de uma poção mágica, essa afirmação não teria nenhum interesse. Mas não foi sempre assim. Como criança e adolescente, estudei o melhor que pude, amei a natureza, toquei música, esquiei, velejei, observei os pássaros, aprendi a fotografar, amei a minha família e os meus amigos. Mas nunca me ocorreu dizer que era feliz. A felicidade não fazia parte do meu vocabulário. Eu tinha consciência do potencial que pensava estar presente dentro de mim, como um tesouro oculto, e o imaginava também nos outros. Mas a natureza desse potencial era vaga, e eu não tinha ideia de como realizá-lo. O florescimento que sinto agora, a cada momento de minha existência, foi construído ao longo do tempo, e em condições propícias à compreensão das causas da felicidade e do sofrimento.

Em meu caso, a boa sorte de encontrar-me com pessoas notáveis, que eram ao mesmo tempo sábias e compassivas, foi decisiva, porque o poder do exemplo diz mais que qualquer discurso. Elas me mostraram o que podemos realizar e provaram-me que é possível tornar-se livre e feliz, de maneira duradoura, desde que se dê atenção a isso. Quando estou entre amigos, compartilho minha vida com eles com alegria. Quando estou só, em meu retiro ou em outro lugar, cada instante que passa é um deleite. Quando empreendo um projeto na vida ativa, regozijo-me se ele tem êxito e não vejo razão para queixar-me se ele não tem, já que dou a ele o meu melhor. Tive a sorte, até o dia de hoje, de ter o que comer e um teto sobre a minha cabeça. Considero que minhas posses são ferramentas, e não considero nenhuma delas indispensável.  Sem um comportador portátil eu pararia de escrever, e sem minha câmera deixaria de fotografar, mas isso de modo algum prejudicaria a qualidade de cada momento da minha vida. Para mim, o essencial foi ter encontrado os meus mestres espirituais e ter recebido deles os ensinamentos. Isso meu deu mais do que o suficiente para meditar até o fim dos meus dias!


Matthieu Ricard
(em “Felicidade – A Prática do Bem-Estar”)    

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