Posso dizer,
sinceramente e sem ostentação, que sou um homem feliz, assim como digo que sei
ler ou que tenho uma boa saúde. Se eu tivesse sido feliz sempre e
continuamente, desde o momento em que, quando era pequeno, caí dentro de uma
poção mágica, essa afirmação não teria nenhum interesse. Mas não foi sempre
assim. Como criança e adolescente, estudei o melhor que pude, amei a natureza,
toquei música, esquiei, velejei, observei os pássaros, aprendi a fotografar,
amei a minha família e os meus amigos. Mas nunca me ocorreu dizer que era
feliz. A felicidade não fazia parte do meu vocabulário. Eu tinha consciência do
potencial que pensava estar presente dentro de mim, como um tesouro oculto, e o
imaginava também nos outros. Mas a natureza desse potencial era vaga, e eu não
tinha ideia de como realizá-lo. O florescimento que sinto agora, a cada momento
de minha existência, foi construído ao longo do tempo, e em condições propícias
à compreensão das causas da felicidade e do sofrimento.
Em meu caso, a boa sorte
de encontrar-me com pessoas notáveis, que eram ao mesmo tempo sábias e
compassivas, foi decisiva, porque o poder do exemplo diz mais que qualquer
discurso. Elas me mostraram o que podemos realizar e provaram-me que é possível
tornar-se livre e feliz, de maneira duradoura, desde que se dê atenção a isso.
Quando estou entre amigos, compartilho minha vida com eles com alegria. Quando
estou só, em meu retiro ou em outro lugar, cada instante que passa é um
deleite. Quando empreendo um projeto na vida ativa, regozijo-me se ele tem
êxito e não vejo razão para queixar-me se ele não tem, já que dou a ele o meu
melhor. Tive a sorte, até o dia de hoje, de ter o que comer e um teto sobre a
minha cabeça. Considero que minhas posses são ferramentas, e não considero
nenhuma delas indispensável. Sem um
comportador portátil eu pararia de escrever, e sem minha câmera deixaria de
fotografar, mas isso de modo algum prejudicaria a qualidade de cada momento da
minha vida. Para mim, o essencial foi ter encontrado os meus mestres
espirituais e ter recebido deles os ensinamentos. Isso meu deu mais do que o
suficiente para meditar até o fim dos meus dias!
Matthieu Ricard
(em “Felicidade – A Prática
do Bem-Estar”)
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