quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Reconhecer a morte para apreciar a vida

"Quando escutei que meu pai estava gravemente doente, simplesmente não conseguia conceber que ele provavelmente morreria. Ele era um grande mestre de meditação e professor budista. Depois que os chineses invadiram o Tibete, ele fugiu a pé, conduzindo trezentas pessoas por sobre as montanhas, rumo à Índia. Passou muitos anos de sua vida plantando a flor do dharma na rocha da América do Norte. Foi um mestre-guerreiro. Se alguém pudesse se esquivar da morte, parece que seria ele. Sua morte deixaria um imenso buraco em minha vida assim como na de muitos outros.


Eu estava de pé ao seu lado, no instante em que ele finalmente faleceu. O espaço foi tomado por energia e força, tornou-se quase luminoso. Não ocorreram pensamentos. Foi assim por muitos dias, como se a realidade tivesse mudado. Toda minha vida eu havia escutado falarem sobre a morte, vira pessoas que morriam ou que já tinham morrido. Mas a morte de meu pai afetou-me de um modo diferente. Sua mortalidade fez com que me desse conta de minha própria mortalidade. Fez com que constatasse a mortalidade de todos. Puxou-me para fora de minhas concepções errôneas. Mudou profundamente minha atitude. Por muitos meses pensei em como viveria o resto de minha vida. Compreendi que a morte era real. Não devia perder tempo. Passei a dedicar-me muito mais à prática e aos estudos. Essa experiência íntima da morte ajudou-me a apreciar a vida.

Muitas vezes tocamos a vida como se ela fosse durar para sempre. Com essa atitude, queremos tudo. O fato da morte coloca um limite no que podemos ter, no que podemos fazer. Não precisamos pensar na morte o tempo todo, mas refletir sobre ela, contemplá-la, dá-nos perspectiva e inspiração sobre como viver a vida. Também faz com que nos tornemos menos mimados. Faz-nos olhar para o equilíbrio de nossa vida e determinar o que tem prioridade. O que é importante para mim? Como devo usar minha vida? Depois de termos nos relacionado com a morte, seremos capazes de viver mais abertamente as situações. Isso fortalece ainda mais o nosso amor."

Sakyong Mipham (filho de Chogyam Trungpa)
(em "Fazer da mente uma aliada : como descobrir a força natural da mente através da meditação")

Nenhum comentário:

Postar um comentário