segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Se você morresse hoje à noite, estaria preparado?

"Um dia em 1981, vendo o quanto eu estava absorvida enrolando pacotes para crianças famintas no Vietnã, Thay (Thich Nhat Hanh) me perguntou: “Se você morresse hoje a noite, estaria preparada?”

Ele disse que devemos viver nossas vidas de forma que se morrermos de repente, não tenhamos nada a lamentar.

“Chan Khong você tem que aprender a viver livre como as nuvens ou a chuva.
Se você morrer hoje a noite, não deveria sentir nenhum medo ou lamento.
Você se tornará alguma coisa diferente, tão maravilhosa como é agora.
Mas se você lamentar perder sua forma atual, não estará liberada.
Ser liberada significa perceber que nada pode te obstruir, te impedir, mesmo enquanto cruza o oceano do nascimento e morte.”

Suas palavras me perfuraram e eu permaneci em silêncio por vários dias.

Não, eu não estava preparada para morrer.
Meu trabalho era minha vida.
Eu tinha encontrado meios de ajudar as crianças famintas, apesar das dificuldades, e estava feliz de novo.
Se eu morresse de repente, quem continuaria esse trabalho?
Eu contemplei muitas questões práticas como essa, enquanto seguia cada inspiração e cada expiração.
Eu não estava exatamente tentando achar a solução.
Eu sabia que a habilidade de achar uma estava em mim e quando eu estivesse calma o suficiente, uma resposta se revelaria por si.
Portanto eu continuei a respirar e sorrir, e alguns dias depois, eu realmente vi a solução.

Eu sabia que a única maneira que me permitiria morrer em paz seria se eu renascesse em outros que desejassem fazer o mesmo trabalho.
Então minha aspiração poderia continuar mesmo se esse corpo falecesse.

Eu pensei sobre os jovens que vinham para praticar plena atenção com Thay e decidi compartilhar com eles minhas experiências e desejos profundos sobre ajudar pessoas que sofrem.
Eu os ensinaria como escolher remédios, como embrulhar pacotes, como escrever cartas pessoais aos pobres, e como manter os ocidentais em contato com o sofrimento das pessoas no Vietnã.
Alguns jovens ficaram inspirados a começar seus próprios comitês, e hoje há trinta e oito comitês para crianças famintas.

Se eu morrer hoje a noite de acidente de carro ou de ataque cardíaco, estas trinta e oito reencarnações me permitirão morrer em paz.

Nguyen Anh Huong, que chegou aos Estados Unidos em 1981, ouviu atenta a tudo que eu disse e me perguntou como começar um projeto.
Como refugiada recém-chegada, ela conhecia melhor que eu as muitas famílias em grande sofrimento no Vietnã.
Eu a encorajei a preparar sua própria lista de famílias que precisavam de ajuda e a achar patrocinadores para elas.
Quando as crianças famintas escrevessem agradecendo, ela poderia traduzir as cartas e mandá-las aos patrocinadores.
Lentamente, Anh Huong foi capaz de ajudar centenas de famílias.

Bui Than Vu em Paris tem muitas famílias, Bui Ngoc Thuy em Sceaux na França tem oitenta e seis famílias, Annabel Laity em Plum Village está encarregada de quarenta famílias.
Adicionalmente, quase todas as irmãs vietnamitas da ordem Tiep Hien (Ordem Interser) na Suíça, Austrália, Canadá, Alemanha e França têm ajudado grupos de famílias famintas.
Se hoje a noite meu coração parar de bater, você verá meu trabalho em todas essas irmãs e irmãos.

Há aqueles que continuam meu trabalho pelas crianças famintas, outros que gostam de meu trabalho de ouvir o sofrimento das pessoas de forma que possam ser curadas.
Você pode ver meu sorriso no seu olhar e minha voz nas suas palavras.

Mas não verá minhas deficiências neles.
O samsara de minhas deficiências terminará no dia que esse corpo for transformado em cinzas e então se tornar flor de novo.
Onde quer que eu faça algo, eu vejo os olhos de meus pais e avós em mim.
Quando eu trabalhei com aldeões, sempre tinha a impressão que estava fazendo o trabalho conjuntamente com eles e também com as mãos amorosas daqueles amigos que economizaram um punhado de arroz ou poucos dólares para apoiar o trabalho.
Minhas mãos eram suas mãos.
Meu amor era o amor maravilhoso da rede de ancestrais, pais, parentes e amigos nascidos em mim.

O trabalho que eu tenho feito é o trabalho de todos.
Não é apenas meu trabalho.

Enquanto você lê essas linhas e sabe que, em uma remota área do Vietnã, crianças que são severamente mal nutridas estão recebendo recursos de Plum Village, você pode ver o ato de amor do trabalho coletivo de milhares de mãos e corações.
Todos nós, de fato, intersomos.

Eu continuarei em cada um e cada coisa que eu já toquei.

Não tenho nada a temer e nada a lamentar."

Irmã Chan Khong
(primeira ajudante de Thich Nhat Hanh, e que o acompanha há mais de 40 anos. Extraído do blog "Sangha Virtual") )

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