quinta-feira, 29 de maio de 2014

Viciados em esperança

A diferença entre teísmo e não-teísmo, não é sobre acreditar ou não acreditar em deus. É uma questão que se aplica a todo mundo, incluindo budistas e não-budistas. Teísmo é uma convicção, profundamente enraizada, de que existe uma mão pra segurarmos. Se nós fizermos as coisas certas, alguém vai nos apreciar e cuidar. Isso significa pensar que sempre vai haver uma babá disponível quando precisarmos. Todos nós somos inclinados a abdicar de nossas responsabilidades e dedicar nossa autoridade a algo fora de nós mesmos.

Não-teísmo é relaxar dentro da ambigüidade e incerteza do momento presente, sem tentar alcançar nada que possa nos proteger. Às vezes pensamos que Dharma é algo fora de nós. Algo para se acreditar, algo para se medir. No entanto, Dharma não é uma crença, não é um dogma. É uma total apreciação da impermanência e da mudança. Os ensinamentos se desintegram quando tentamos agarrá-los. Temos que experimentá-los sem esperança. Muitas pessoas corajosas e compassivas os experimentaram e os ensinaram. A mensagem é: “Sem medo”. Dharma nunca significou uma crença que nós seguimos cegamente. O Dharma não nos dá nada, mesmo, para segurarmos.

Não-teísmo é finalmente perceber que não há uma babá com que você possa contar. Você acaba de conseguir relacionamento bom e logo ela (ou ele) se foi. Não-teísmo é perceber que não apenas babás vêm e vão, mas toda a vida é assim. Essa é a verdade, e a verdade é inconveniente. Para aqueles que querem algo pra segurar, a vida é ainda mais inconveniente. Desse ponto de vista, teísmo é um vício. Somos todos viciados em esperança. Esperança de que a dúvida e o mistério irão desaparecer. Esse vício tem um efeito doloroso na sociedade. Uma sociedade baseada em montes de pessoas viciadas em conseguir terra firme para pisar não é um lugar muito compassivo.


Pema Chodron


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