quinta-feira, 5 de julho de 2012

A surpreendente vida

Em 2011 li um livro fundamental em minha prática, em minha vida: "Nada Fazer, Não Ir a Lugar Algum" de Thich Nhat Hanh, o suave monge zen vietnamita. Eu atravessava um momento difícil, havia passado por acontecimentos dramáticos, sofridos, e buscava um novo sentido e uma nova ordem para minha vida. 

O "nada fazer" aconselhado por Thai (como o autor é chamado por seus seguidores) contrastava profundamente com meus objetivos: eu queria um sentido para minha vida, mas Thai dizia: "não há o que buscar"; eu pretendia "evoluir", ele porém proclamava: "você já é um buda"; eu queria entender, projetar, planejar, almejar... mas Thai insistia: "viva o presente, ele é a única realidade".

Eu pratico o Zen informalmente há quase 30 anos, absorvendo seus ensinamentos através de livros, palestras, filmes. Acordo diariamente de madrugada para meditar, e procuro manter minha mente presente em todos os momentos. Por meio da prática, profundas mudanças ocorreram em mim e estas foram fundamentais em minha vida. A prática solitária, contudo, é extremamente difícil e exige uma disciplina e uma força que, admito, muitas vezes não tive.

Ao ler o livro de Thai experimentei uma consoladora sensação de liberdade e leveza. Encontrar sentido no "sem sentido" deu-me uma indizível sensação de bem estar. Em meio à dor e à confusão, surgiam a luz, o frescor e a leveza...

Alguns meses depois, já em 2012, outro livro pôs por terra muitas das minhas catedrais, as quais, hoje sei, existiam simplesmente por eu então acreditar na necessidade inquestionável de sua existência. Eu lhes havia conferido um sentido ao qual minha própria identidade e minha história haviam se mesclado. 

"Criação Imperfeita" de Marcelo Gleiser não é apenas mais um livro de astronomia. Nele encontramos reflexões acerca de nossas pseudo-verdades, de nossas convicções. De uma outra maneira, e principalmente, num sentido completamente diferente do livro de Thai, há também ali questionamentos profundos sobre nossa busca por sentido. Não fosse Marcelo Gleiser também membro da Academia Brasileira de Filosofia...

Nesse meio tempo faleceu minha avó, e alguns meses depois, um primo. Nada trágico, nada exatamente dramático. Porém me peguei refletindo sobre a fugacidade da vida e como ela segue seu fluxo, a despeito de nossos planos e desejos, medos e expectativas, sorrisos e lágrimas. E, para os que ficam, a despeito também de nossa ausência.

Há poucos meses passei por um problema de saúde o qual, posteriomente, verificou-se não se tratar de nada mais sério. Porém precisei licenciar-me do trabalho e passar por alguns exames. Enquanto aguardava os resultados, refleti sobre a possibilidade de estar sofrendo alguma doença fatal. Não sentia medo e nem dramatizei minha situação, apenas conjecturei serenamente em cima de uma hipótese bastante plausível: e se eu estivesse com os dias contados? E se me restasse pouco tempo de vida? 

A resposta me veio a seguir. Viva, palpável, cristalina: em realidade e ao fim, não estamos todos com os dias contados? O momento presente e sua verdade única, inigualável, jamais havia sido tão avassaladoramente real. A imponderabilidade, a fortuidade, o curto alcance de nossas vontades sobre os dias, sobre o acaso, atingiram-me como uma forte lufada de vento.

E desde então tudo mudou. 
A morte está presente. E com ela, palpitante, bela e surpreendente, a vida.


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