quarta-feira, 29 de junho de 2016

Eu: Dois segundos




Manhã.

No ônibus, indo para o trabalho.

Acompanhado de minha já costumeira melancolia, essa que sinto há tempos e da qual me envergonho.

Afinal, por que essa tristeza? Estou bem, tenho emprego, família, saúde. Dentro do possível, estão todos bem. Nada me falta (a não ser mais tempo disponível, mas não isso seria um luxo nesses dias atuais?).

Vinhamos nós, eu e a nuvem cinzenta que mantenho à minha volta (“mantenho”? é correto afirmar isso?) quando, exatamente num momento em que, apesar da tristeza, lia um divertido trecho de um livro, a vida resolveu esbofetear-me a face.

Ao passar em frente ao Hospital Antonio Pedro, vi um jovem muito alto, muito magro. Sua magreza não era saudável: as roupas sobravam no corpo. Apesar da evidente condição de enfermo, era um jovem bonito, tinha um belo rosto, ainda que sua cabeça estivesse completamente nua, sem um fio de cabelo sequer. Químio, talvez.

Foram apenas dois segundos. O ônibus passava e eu vi. Seu rosto contraído (de dor? de tristeza? um choro que se aproximava?) voltado para baixo, onde uma senhora pequenina, miúda, o olhava enternecidamente e tinha seu braço esticado a fim de tocar-lhe a face, ou a testa.

Os dois segundos foram breves demais, mas não para testemunhar a emoção daquele momento. Naqueles dois segundos fui testemunha de uma cena real de dor, medo, angústia, amor, tristeza, sofrimento. De impotência diante de um futuro incerto e possivelmente sombrio. A dor real e palpável daqueles dois seres atingiu-me como um soco.

E eu chorei.

Por eles e por sua dor.

Por mim e por minha ingratidão e mediocridade.



(29.06.2016)


Nenhum comentário:

Postar um comentário