sexta-feira, 6 de março de 2015

Deixando o pequeno eu de fora


P.: Como você vê a continuação dele (Thich Nhat Hanh) em você?

Joanne Friday: Minha ordenação como instrutora de Dharma é um exemplo claro de como vejo a transmissão e a continuidade. Eu nunca havia pensado em ser uma instrutora de Dharma, isso nunca havia passado pelo minha cabeça. Um dia recebi uma carta de Plum Village me convidando a receber a Transmissão da Lâmpada. Ao ler a carta, comecei a sentir-me completamente indigna e pensei, "Oh, eles erraram, certamente meu nome foi confundido com o de outra pessoa", eu estava realmente atordoada. Passados alguns minutos senti como se houvesse sido atingida por um raio e pensei: "Isso não tem nada a ver com você."

Desde meu primeiro encontro com Thay eu o senti muito vivo em cada célula do meu corpo. E o que recebi de meus pais, de todo mundo que sempre me amou, todo mundo que sempre se importou comigo, todos eles estão vivos em cada célula do meu corpo. Então, me sentir incapaz seria como insultar a todos eles. Porque esse convite não dizia respeito a meu egocentrismo, não tinha nada a ver com meu pequeno eu.

Na preparação para a cerimônia, minha energia de hábito teria sido tentar chegar com a palestra-dharma perfeita, para que todos vissem que eu sabia tudo sobre o Dharma. Mas ao invés disso eu sequer pensei sobre o assunto e não senti qualquer ponta de ansiedade nos três meses antes da Transmissão da Lâmpada. Naquela época, como parte da cerimônia, cada novo instrutor proferia uma breve palestra após sua ordenação. Caminhei lentamente até meu lugar sem ter qualquer idéia sobre o que dizer, e ainda assim não senti nada além de pura alegria enquanto pensava, "O que vou dizer?” Então contei a eles a história que estou contando agora.

Eu disse, "Thay nos dá um belo ensinamento sobre o não-nascimento e a não-morte usando como exemplo uma folha de papel. E eu recebi outro profundo ensinamento sobre o não-self  também através de uma folha de papel. Recebei essa carta pedindo-me para estar aqui e foi essa a minha experiência, perceber que esse momento deve-se a meus elementos não-self, e não tem nada a ver comigo. Tem sido muito divertido, sinto muita liberdade. É realmente incrível. Eu não tenho muita autoconfiança, mas confio totalmente em meu elementos não-self, e é claro que isso ocorre porque não fiquei nem um pouco ansiosa. Penso que estou vivenciando a confiança que vem do não-self." E Thay sorria e todos em volta sorriam.
  
E assim tem sido desde então. Se eu for convidada a compartilhar o Dharma, faço o máximo para manter-me de fora. Meu objetivo em compartilhar o Dharma é transmitir o que me foi transmitido e deixar meu pequeno eu de fora. E isso nunca me cansa. Mas se meu ego começa a se manifestar, aí sim eu fico cansada, e esse é um bom sinal de que preciso ir praticar meditação-andando e sair do caminho.

Joanne Friday
(mestre de Dharma ordenada por Thich Nhat Hanh, em entrevista à revista budista Mindness Bell")

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